Mensagem do Grupo de Discussão Competitive Knowledge

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From: alarico@furnas.com.br <alarico@furnas.com.br>
> Será que alguém tem alguma dica sobre o conceito de Entropia ( da
> Termodinâmica) em Sistemas Sociais?
>

Caro Alarico,

Antes de comentar um pouquinho sobre esse assunto, vou dar um
"peteleco" em uma das referências citadas pela Suzana:

http://boanova.tripod.com/entropia.htm

As outras referências parece que são legais, mas esta aí é um
lixo, não obstante ter sido escrita por um "PhD". O autor não
tem idéia do que está falando e acaba usando sua má interpretação
da ciência como suporte às suas convicções religiosas.

Mas vamos ao nosso assunto. Um dos principais problemas na
interpretação de Entropia é a sua origem física e matemática.
Quando colocamos isso sob a forma de palavras, as coisas
muitas vezes perdem o sentido.

Entropia está realmente associada à desordem, mas é um pouco
mais do que isso. A "desordem" de um sistema depende do "olho"
de quem olha. Um texto em russo pode parecer uma bagunça danada
para nós, mas não para eles, russos. Então, como é que fica?

A entropia é um conceito que vale entender não apenas como
desordem, mas sim como *dispersão* de energia. Quanto mais
dispersa a energia, maior a entropia do sistema. Pela segunda
lei da termodinâmica, o que cresce não é bem a desordem, mas
sim essa dispersão.

Agora, de volta ao social. Sempre que se fala em entropia
em ambientes sociais, está se falando de uma *analogia*.
Não é a coisa real (que só tem sentido para sistemas
físicos), mas sim uma prolongação do sentido usual.
Por isso, é preciso bastante cautela!

Assim, se você tem um grupo de pessoas em um ambiente
semi-isolado, dá para -- por analogia -- falar em crescimento
da "desordem". Contudo, como a análise que usualmente
fazemos de um grupo de pessoas não é uma análise física,
é preciso fazer algumas importantes ressalvas.

Um grupo de pessoas não tenderá à desorganização se houver
elementos com intencionalidade. Para entender como isto
afeta esse sistema, é preciso *mudar* o nível de análise
desse sistema (para algo que é conhecido como "intentional
stance", de acordo com o filósofo Daniel C. Dennett).

Em vez de teorizar, vou apelar para um exemplo prático.

Suponha que você esteja analisando um grande departamento
de uma empresa. Suponha que todos os funcionários desse
departamento estejam subordinados a um único chefe,
que fica sempre no mesmo andar do edifício, de olho em
tudo o que acontece. Tudo corre bem, o departamento funciona
direitinho. Nós podemos dizer que, por causa do chefe, a
"entropia social" desse grupo de pessoas não aumenta, pois
a ordem, de alguma forma, é mantida.

Agora, suponha que esse chefe passe três dias fora da
empresa, em um treinamento qualquer. Todo o departamento
ficará sem o seu elemento de controle. Assim, com o passar
das horas, os funcionários irão paulatinamente "perder
o foco", e a "entropia social" do ambiente irá gradativamente
aumentar. Passadas mais algumas horas, você poderá ver grupinhos
se divertindo com as últimas piadas, dois ou três dando
em cima da secretária, um outro fazendo aviãozinho de
papel e por aí vai. Em resumo, total desordem.

Esse panorama tenebroso é, sem dúvida, o terror de muitos
gerentes e diretores de empresas que ainda funcionam sob
esquemas "tradicionais". Os setores públicos costumam
ser ótimos exemplos de "entropia a ponto de explodir": basta
o chefe ir ao banheiro para a conversa mudar para a
novela de ontem.

Seria fácil usar a analogia descuidada que se faz da física
para justificar que esse processo é inevitável. Aí é que
vem a minha crítica a essas generalizações apressadas: a
física só garante esse aumento espontâneo de entropia em
*sistemas isolados* e dentro do *nível físico* de análise.

Entretanto, em nosso caso, não estamos analisando esse
sistema (o grupo de pessoas daquele departamento) como um
sistema físico, mas sim como um sistema em um nível *diferente*.
Nesse nível, não vale explicitamente tudo o que é explicado
pela física, são outras leis!

Mas então, pergunta você, poderia ser diferente? Poderiamos
ter um sistema que controlasse essa tendência natural?

Poderia, sim. E a idéia é tentar analisar esse sistema social
sob uma nova ótica, onde se observam novos mecanismos
causais. Um deles é a intencionalidade dos agentes
(pessoas).

Se a presença de um chefe é necessária para que o
sistema social passe a operar a contento, vale perguntar
o que é que o chefe tem que transforma esse sistema?
Que qualidade o chefe dispõe para domar a bagunça?
Não vá responder que é o potencial de punir, pois
isso é o tipo de ação que ele usa e não a explicação
do *porquê* ele age assim!

Ele tem algo diferente, sim: ele tem intenções adequadas,
que acabam combinando com as intenções da empresa e de
seus superiores. Essas intenções, é óbvio, são muito
complexas e vão desde desejo de promoção até bônus e
desafio intelectual. Contudo, a presença dessa característica
no chefe é suficiente para alterar a dinâmica inteira
do meio social.

E daí vem as óbvias conclusões: não seria possível fazer
com que *cada* funcionário tivesse um pouco dessa
intencionalidade que o chefe tem? Se cada um possuir um
pouco disso, então mesmo na ausência do chefe o sistema
social inteiro pode se auto-organizar para manter a
entropia sob controle. É isso o que as empresas realmente
modernas devem perseguir, uma forma de fazer com que
cada funcionário tenha uma integração e paridade com
certos objetivos e motivações que faça esse funcionário
agir como elemento de adaptação do sistema social inteiro
em que ele vive. Uma integração cognitiva e intencional
com esses objetivos.

Para conseguir isso, é necessário entender o que move
a motivação humana. Um dos tópicos importantes em relação
a esse assunto é observar de que forma a criatividade
individual só prospera apenas em ambientes que possibilitem
o teste sem punição. O potencial para desafiar as regras vigentes
é uma das pré-condições necessárias para isso ocorrer.

Até mais,
Sergio Navega.


From: hashimo@embratel.com.br <hashimo@embratel.com.br>
>
> Sergio,
>
> Achei muito interessante a sua análise. Mas eu seria mais radical, isto é,
> diria que não há nenhum sentido em se aplicar o conceito de entropia
> em sistemas sociais.
>
> (Deixe-me esclarecer, inicialmente, que nunca havia lido nada a respeito desse
> tema. Estou apenas fazendo uma reflexão. E concordo integralmente com sua
> opinião sobre aquele artigo comentado especificamente)
>
> Se eu entendi corretamente a idéia, quando falamos de entropia e da Segunda Lei
> da Termodinâmica, estamos pensando não só em sistemas fechados, mas em sistemas
> onde o único fator considerado na interação entre os elementos é a troca de
> energia.

Exatamente. Há, na verdade, certo abuso no "transporte" de noções da
física para sistemas sociais. Quando este abuso é realmente grande,
ele dá origem ao que é chamado de "pós-modernismo", uma tendência muito
em voga entre os filósofos europeus (principalmente franceses).

> Já nos sistemas sociais, temos que considerar a intencionalidade que vc.
> mencionou (e que é uma fonte de energia), e a comunicação entre os elementos.

Na verdade, a intencionalidade seria uma fonte de informação. A sua
manifestação, através de ações, pode ou não gerar um certo tipo de
"energia". Um diretor que cancele um projeto que todos estavam
aguardando ansiosamente, por exemplo, irá gerar "muito calor"...

Além disso, a interação entre as pessoas é muito complexa, ainda não
temos modelos unificados da mente humana -- embora muito progresso tenha
sido feito pela Ciência Cognitiva. Por isso, dedico grande parte de meu
tempo ao entendimento do que essa disciplina nos informa, pois é dela
que virão sugestões realmente sólidas sobre o comportamento das pessoas
dentro de organizações.

> Creio que nenhum grupo social tende à desordem, a não ser que inexista
> comunicação entre seus elementos. A comunicação permite a identificação de
> interesses comuns, que leva à agregação em torno desses interesses, isto é, a
> alguma forma de ordem. Mesmo no seu exemplo da ausência do chefe, no fundo vc.
> descreve um sistema ordenado, com os funcionários se agrupando segundo seus
> interesses prioritários, apenas não correspondendo aos interesses da
> organização.

Ótimo comentário, concordo. Por aí dá para ver que o que significa
"ordem" para alguns é desordem para outros. Então, o conceito de
entropia/informação, no caso das empresas, depende muito do "olho"
de quem está analisando o sistema, ou seja, é algo que depende
de interpretação. E se depende de interpretação (que é algo
subjetivo) então está sujeito a enganos e falta de consenso entre
as pessoas.

> Aliás, mesmo na presença do chefe alguns empregados poderiam estar
> apenas pensando na tal secretária, outros no jogo da véspera, etc. A questão
> não seria, portanto, de maior ou menor ordem, mas do tipo de ordem que
> propicie o melhor alinhamento dos interesses ou intenções individuais com
> aquelas do grupo ou da organização. Não é por isso que se valoriza tanto
> a idéia de disseminação das Missões, Políticas, Valores, etc., nas
> organizações?

Sem dúvida. Por aí dá para ver que o uso da noção "pura" de entropia,
assim como vem da física, precisa ser usada, no máximo,
como inspiração para a criação de novas teorias de organização.

Esses abusos também acontecem em outras analogias, como aquelas dos
sistemas caóticos e complexos, tão em moda atualmente, com vários livros
pipocando nas livrarias. Temos que usar essas noções como paralelos
muito sugestivos, mas não como modelos a serem seguidos.

> Não consigo lembrar de nenhum exemplo de grupo social que não tenda a alguma
> forma de organização (após um período inicial de desordem até o estabelecimento
> da comunicação), seja um grupo de crianças que se junte num parque e que logo
> iniciam algum tipo de brincadeira em grupo, uma tribo primitiva, uma comunidade
> de artezões, os detentos de uma cadeia, os torcedores de um jogo, etc. Basta
> que exista algum interesse comum.

E sempre há um interesse comum, nem que seja apenas a sobrevivência.
Quando se acompanha a história do Homo Sapiens, esse interesse
comum é o grupo conseguindo aumentar suas chances de sobrevida. Há uma
teoria de que nós sobrevivemos e os Neandertais não, porque estes
últimos não tinham uma habilidade de cooperação tão desenvolvida
quanto a nossa.

O que é diferente na situação de uma empresa é que essa organização,
como vista tradicionalmente, não parece ser "natural", ao menos sob
o ponto de vista do funcionário.

Ela parece "artificial", pois o funcionário -- principalmente das
empresas "tradicionais" -- encara a empresa como um recurso para dar
dinheiro aos seus donos e aos acionistas. Isso acaba tendo reflexos
até mesmo na hora desse funcionário disponibilizar o conhecimento
que ele tem em um sistema de gerência do conhecimento. Ele não faz,
porque não se "sente" dentro daquele organismo.

No momento em que esse funcionário percebe que ele é uma peça
beneficiada nesse circuito, com capacidade de sugerir e inovar, com
capacidade de crescimento pessoal, além de melhorar o desempenho
da organização, então ele começa a operar de maneira diferente.

Se a empresa tem uma boa estratégia para deixar fluir a criatividade
(que acredito ser o aspecto primordial), então haverá uma
"auto-organização espontânea" (desculpem o pleonasmo).

Até mais,
Sergio Navega.


[A mensagem de Suzana está transcrita mais abaixo]

Suzana,

Ótimo o seu comentário, bastante pertinente à
discussão toda. Todos os novos modelos e teorias
(paradigmas) que estão sendo propostos servem como
importantes subsídios para que tenhamos novas idéias
acerca deste complexo universo que é o ambiente
corporativo atual. Aos modelos que você citou
(estruturas dissipativas do Ilya Prigogine, a
autopoiesis de Maturana e Varela, etc.) ainda
adicionaria outros como a teoria dos Memes (Dawkins,
Dennett, Blackmore), os sistemas complexos e
adaptativos (Murray Gell-Mann, John Holland), a
teoria da Evolução da Cooperação (Robert Axelrod) e
vários outros. Todos esses modelos apresentam
sem dúvida um avanço em relação ao limite que o
tradicional raciocínio determinístico cartesiano
está submetido. Sabemos que hoje que aquelas táticas
determinísticas não vão tão longe quanto desejamos.

Mas existe uma coisa muito importante que não
pode ser esquecida. É uma consideração pragmática,
uma eficácia prática, algo que tenha real valor
preditivo. Quando falo em "valor preditivo" posso
parecer estar pendendo para o "cartesianismo", mas
é preciso entender como uso esse termo.

Tudo começa com uma diferença muito importante, que
frequentemente é esquecida até mesmo por cientistas
brilhantes: há uma diferença muito grande entre teorias
que "expliquem bem o passado" e teorias que consigam
"predizer o futuro". A vantagem maior das noções
cartesianas tradicionais (da qual Newton foi um dos
expoentes) é a sua habilidade em ser usada nos dois
casos. Porém, como vimos nas últimas décadas, esse
paradigma falha (ou é ineficaz) em diversas situações,
principalmente em sistemas dinâmicos compostos por
grande número de "peças pequenas".

A vantagem maior desses novos paradigmas é a constatação
de que o estado futuro de diversos tipos de sistemas
complexos *não pode* ser predito com exatidão, pois eles
são assim: complexos, caóticos e imprevisíveis.

Contudo, isto não significa que devemos "abandonar" nossa
busca por predição. Isto não significa que devemos nos
"conformar" que o cartesianismo é "ruim", e que nada
pode ser feito para alterar essa situação.

Esta é uma questão bastante prática: se não podemos
predizer *nada* acerca de nosso sistema, então para que
estudá-lo? Só para ter uma forma de escrever bons livros
de história? A empresa ABC faliu porque atravessou seu
limite de criticalidade e assim foi contra um atrator
estranho que a levou à ruina? Se é só isso que obtemos,
então isso tudo é apenas um ferramental para arqueólogos
corporativos, e não para diretores de marketing ou de
planejamento financeiro.

As empresas precisam de algum poder preditivo, pois é isto
que as fará poder melhorar no futuro. Os dirigentes precisam
ter alguma coisa em que se apoiar para efetuar algum mínimo
planejamento. Alguma coisa tem que ser predita, nem que seja
algo essencialmente colocado sob forma probabilística.

Se nossas teorias não dão nada nesse aspecto, então elas
são inúteis para as empresas (o mesmo vale para a ciência:
se uma teoria não auxilia na predição, então não tem muita
serventia). É esta a grande crítica que faço a alguns approaches
modernos: eles são ótimos para inventar termos e
dizer "porque aconteceu assim". Mas eles não procuram
por coisas que possam prever -- mesmo que apenas a nível
estatístico.

Isto ocorre porque a predição é um negócio muito difícil.
Implica em mensurar, implica em aferir resultados, implica
em perder um pouco da "beleza" da explicação do passado.
Mas sem isso, não há nada de realmente benéfico em usar
esses conceitos. Então, quando se fala em crise do paradigma
anterior, é preciso verificar de que forma o novo paradigma
irá conseguir algo efetivamente melhor, de forma mensurável.

Não há dúvidas de que os sistemas complexos e caóticos
(duas coisas diferentes!) são modelos absolutamente essenciais
para explicar o que ocorre em diversos sistemas físicos (como
atmosfera, revoada de pássaros, forte fluxo de água em uma
torneira, etc). Também não tenho dúvidas de que são idéias
muito úteis para serem usadas como analogias em relação ao que
ocorre em empresas, sociedades, nações, comércio internacional,
etc.

Mas dessas teorias, é preciso que se obtenha algo de predição.

Imagine, por exemplo, que olhemos para a história passada
da IBM e verifiquemos porque ela entrou em declínio. Há como
achar uma "hipótese determinística", que não passa de um
"cozinhar os dados" para explicar bem esse passado. Contudo,
há uma nova forma de interpretar isso, através dos modelos novos e
aí vai-se dizer que a IBM atravessou o limite de criticalidade
e esborrachou-se contra o seu atrator. Para sustentar isso,
pode-se falar em entropia, em falha de fluxo de informação
na empresa, em falta de auto-correção através do aprendizado,
etc.

Entretanto, ambas as hipóteses serão ruins, se quisermos
extendê-las ao comportamento futuro. Ambas não nos permitem
dizer nada sobre o que vai acontecer com a IBM nos
próximos 10 anos.

Agora, veja o que a ciência tradicional faz quando estuda algo.
Ela cria modelos, teorias e leis que tentam "enxergar" o mundo
de uma certa forma. Todas as ciências naturais tem momentos em
que conjecturam coisas. Todas elas tem momentos de "criação
maluca", no qual são levantadas inúmeras hipóteses para explicar
o que ocorreu em determinada experiência. Qual dessas hipóteses
sobrevive? Qual delas ganha aceitação? Somente aquela que tem
poder preditivo. Somente aquela que diz que deve acontecer
isto e aquilo, se fizermos esta e esta experiência.

Eu digo que os modelos que precisamos criar para "explicar"
a IBM tem que ser tais que nos permitam ter *chances de acertar*.
As hipóteses e explicações que acharmos tem que dizer o que
vai acontecer, mesmo que de forma probabilística ou vaga.

Em suma, de todas as teorias e modelos modernos, das estruturas
dissipativas do Prigogine, à teoria da complexidade de Gell-Mann,
a autopoiesis de Maturana e Varela e todas as outras, precisamos
tirar modelos que possam ser comparados com o que ocorrerá no
futuro.

Claro, não se pode fazer predições que sejam essencialmente
determinísticas, como dizer que o lucro da IBM daqui a 3 anos
será 30% maior do que o de hoje. Isso nós já sabemos que não
dá para fazer. É equivalente a querer saber como será o
tempo daqui a duas semanas.

Entretanto, eu posso fazer *um outro* tipo de predição: posso
dizer, por exemplo, que a IBM, segundo o modelo teórico que
desenvolvemos, terá condições de se adaptar rapidamente a
mudanças do mercado para manter-se entre os dois ou três
principais "players" da área. Se minha predição não funcionar,
então, isto significa que meu modelo teórico (que poderia
incluir adaptação, aprendizado, criatividade, etc., etc.) não é
bom! Precisa ser refeito, precisa levar em conta outros fatores.

Ainda assim, há eventuais intempéries no caminho, como a
descoberta de algo revolucionário (e patenteado) por um
concorrente. Isso estraga toda a nossa predição. Mas no
instante em que isso se configure, tenho como modificar
meu modelo de forma a realizar outro conjunto de predições
e assim colocar-me novamente na posição de compará-lo
com o que o futuro nos dirá.

Para terminar (ficou muito longo!) quero realçar que, mesmo que
estejamos descontentes com o determinismo cartesiano, não podemos
abandonar nossas idéias de confrontar nossos modelos com a realidade
futura. Isso é o mínimo que podemos fazer para ter alguma
chance de interferência nos destinos de nossas companhias.

Até mais,
Sergio Navega.

-----Original Message-----
From: Suzana Gutierrez <sgutier@terra.com.br>
To: competitive-knowledge@yahoogroups.com <competitive-knowledge@yahoogroups.com>
Date: Sábado, 31 de Março de 2001 10:34
Subject: Re: [competitive-knowledge] Re: Entropia
>
> "No momento em que esse funcionário percebe que ele é uma peça
> beneficiada nesse circuito, com capacidade de sugerir e inovar, com
> capacidade de crescimento pessoal, além de melhorar o desempenho
> da organização, então ele começa a operar de maneira diferente."
>
> Do trecho acima, do email resposta do Sérgio, gostaria de salientar o contexto a que
> remete o uso da linguagem embora se fale de "participação, criatividade e
> crescimento". Participação criativa de alguém que é uma "peça" num "circuito" e
> que "opera". Embora a idéia geral seja de cooperação e participação reifica-se
> tanto o sujeito quanto sua ação.
> A crise que muitos vem tentando explicar utilizando , entre outras coisas, alguns
> conceitos e descobertas da física, de maneira prudente ou não, é a crise do
> paradigma científico dominante. Crise esta que alguns apontam como o esgotamento
> das respostas da Modernidade. A Pós Modernidade entraria aí, não como uma
> tendência, mas como a época de surgimento de um novo paradigma. E é este novo
> paradigma que vem sendo anunciado e discutido por autores como Ilya Prigogine,
> Boaventura S Santos, F. Capra, Habermas, Maturana e outros.
> Os estudos da microfísica, química e biologia nos últimos trinta anos apontam
> a crise do paradigma Newtoniano (mecanicista). Como exemplo de um destes
> estudos, Boaventura Santos cita a "teoria das estruturas dissipativas" ou o princípio
> da "ordem através de flutuações" de Prigogine.
> "A teoria das estruturas dissipativas estabelece que, em sistemas abertos, ou seja,
> em sistemas que funcionam nas margens da estabilidade, a evolução se explica
> por flutuações de energia que em determinados momentos, nunca inteiramente
> previsíveis, desencadeiam espontaneamente reações que, por via de mecanismos
> não lineares, pressionam o sistema para além de um limite máximo de instabilidade
> e o conduzem a um novo estado macroscópico. Esta transformação irreversível e
> termodinâmica é o resultado da interação de processos microscópicos segundo
> uma lógica de auto-organização numa situação de não equilíbrio. A situação de
> bifurcação, ou seja, o ponto crítico em que a mínima flutuação de energia pode
> conduzir a um novo estado, representa a potencialidade do sistema em ser atraído
> para um novo estado de menor entropia. Deste modo, a irreversibilidade nos sistemas
> abertos significa que estes são produto de sua história. .... Em vez da eternidade,
> temos a história; em vez do determinismo , a imprevisibilidade; em vez do
> mecanicismo, a interpenetração, a espontaneidade e a auto-organização; em vez
> da reversibilidade, a irreversibilidade e a evolução; em vez da ordem, a desordem;
> em vez da necessidade, a criatividade e o acidente." (Santos, A Crítica da Razão
> Indolente, p70)
> Citei o trecho inteiro , pois o acho bem interessante. E a esta teoria podem ser
> acrescentadas outras: o conceito de "autopoiesis" de Maturana, a "teoria das
> catástrofes" de Thom, a teoria da evolução de Jantsch, etc. Mostram que a
> reflexão filosófica parte dos próprios cientistas ao problematizarem a sua prática
> científica.
> No exemplo do escritório onde o chefe sai e vira bagunça:
> Poderiamos considerar a saída do chefe como uma "flutuação de energia" que
> desequilibra momentaneamente o sistema. Assim sendo, o sistema estaria
> marchando em direção ao seu "ponto crítico", pelo acúmulo de diversas
> situações vivenciadas por aquela equipe de trabalho, cujo sinal exterior é a
> atitude na ausência do chefe. A saída definitiva do chefe pode ser a "flutuação
> mínima de energia" que desequilibrará totalmente o sistema que sairá de um
> certo tipo de "ordem" para a inicial desordem (estado de menor entropia).
> Esta equipe de trabalho tenderá a se auto-organizar numa nova "ordem".
> Aqui não se considera o "bom" e o "ruim", o certo e o errado. Quando se
> fala em ordem e desordem não se a faz analogia dominante de ordem = bom,
> correto,... e desordem= ruim, errado e sim em "ordem" como um certo modelo
> de organização, classificação.
> Considero adequado, no caso, utilizar esta teoria como referência de
> reflexão sobre o fenômeno social em questão. Não como lei que regula o
> fenômenos. Aliás, este foi um dos erros da Ciência Moderna ao estudar
> fenômenos sociais sob o aporte de teorias positivistas e métodos unicamente
> quantitativos.
> Não sou expert nestes assuntos, mas interesso-me e reflito sobre eles. E deixo
> aqui as minhas idéias no sentido de incentivar o debate. O livro de Boaventura
> Santos, citado acima, esclarece muitas coisas sobre estes nossos novos tempos.
> Uma boa leitura para quem vive em rede onde o espaço e o tempo absolutos
> de Newton não existem.
> [],
> Suzana


[A mensagem original do Alberto está no final de minha resposta]


O Alberto tocou em alguns pontos muito intrigantes, gostaria de
comentá-los e complementá-los.

Essa busca frenética pelo "novo paradigma" pode ser nefasta. Como
o Alberto falou, fica-se concentrado na substituição do "antigo" em
vez de complementação ou melhoria do existente. Talvez isso possa
ser explicado por uma natural tendência de "vender" novos
produtos -- principal atividade da economia capitalista -- em vez
de refinar, melhorar e descobrir mais -- principal atividade da
ciência. Quando "gurus" das corporações apresentam sua "nova teoria"
sob a forma de livros e seminários, eles estão certos em termos de
marketing pois fomentam vendas, mas estão errados em termos de ciência,
pois jogam fora muito do que foi feito no passado.

Dessa forma, a mecânica clássica continua sendo usada em pelo menos
90% dos casos de aplicação prática da física. Só o restante se
beneficia do que a mecânica quântica introduz como novidade. Fica
a pergunta: onde está a "mecânica clássica" das organizações?
Deveria ser privilegiado todo o estudo das organizações que
priorizasse aqueles aspectos mais perentes e fundamentais, aqueles
que possam ser fundamentados por evidências e argumentações, e
não através de "modas" de gurus.

Esta é, talvez, a crítica principal que é possível fazer a muitas
das formalizações teóricas acerca de empresas e seus modos de
operação. Fala-se de certas teorias e certos modelos abstratos
de como as empresas e mercados operam e usa-se de "cases" de
sucesso para tentar demonstrar e justificar a validade desses
modelos, mas esquece-se de que isso não é um procedimento
cientificamente válido. E por que não?

A febre da apresentação de "cases" tem aspectos negativos que
raramente são mencionados. Como exemplo, pegue qualquer um dos
inúmeros seminários que se propõe a apresentar alguma técnica
ou metodologia nova. Pior ainda se for feita por um fornecedor de
produto ou serviço (consultoria). Uma grande parte desses
seminários são montados em torno de uma exposição teórica
simplificada que é, logo em seguida, justificada por casos de
sucesso (fornecedores de ferramentas para CRM e BI adoram fazer
isso). A imensa maioria dos livros de sucesso da área empresarial
nas prateleiras de nossas livrarias gastam grande quantidade de páginas
na apresentação desses cases de sucesso.

Minha questão aqui é avaliar criticamente a validade da
apresentação desses casos de sucesso. Será que contribuem? Acho
que não:

a) Validade estatística
Tome a empresa X que usou o método Y para obter excelentes
resultados práticos. A pergunta é: podemos com isso verificar
que o método Y é realmente bom? Não. A informação de funcionamento
do método Y na empresa X é algo que, tomado isoladamente, pouco
significa. É preciso saber *quantas empresas* usaram o método
Y e *não foram bem sucedidas*. Ora, pouquíssimos gurus falam dessas
falhas! Esse ensinamento vem de estatística e probabilidade básicas.
Se eu disser a você que, jogando uma moeda, consigo obter "cara"
seis vezes em seguida, será que estou fazendo algo difícil? Não,
se eu não disser *quantas* vezes atirei a moeda. Se atirei 1000 vezes
a moeda, é fácil ver que obter seis caras em seguida é
estatísticamente *muito* provável. Contar sucessos e desprezar
fracassos é receita certa para enganar incautos e é uma fórmula
que vem sendo repetida constantemente, sob nossos narizes.

b) Condições especiais
A empresa X funcionou com o método (ou tecnologia) Y. Podemos
comemorar? Pela segunda vez, não. Além do item a), temos também
a idéia de condições especiais. Como exemplo, suponha que uma
empresa esteja usando um novo pacote de Data Mining e que o
fornecedor fala dos sucessos dessa empresa, querendo dizer com
isso que a sua tecnologia é ótima e você deveria comprar
imediatamente o pacote. Contudo, suponha que esse caso de
sucesso deveu-se não tanto à tecnologia, mas principalmente
ao fato de haver um comprometimento da diretoria. O pessoal
que lida com o pacote de DM tem acesso a essa diretoria. Essa
diretoria está receptiva e aberta a sugestões vindas desse nível.
A diretoria confia nos resultados obtidos, *colocando em prática
as sugestões* que vem desse processo. Todos esses detalhes são
coisas especiais daquela empresa, uma feliz coincidência de
estruturação no processo de decisão que leva a empresa a se
beneficiar do que é descoberto pelo data mining. Todos esses
detalhes não podem ser usados para justificar *aquele* pacote
de DM utilizado.

Tanto isso é verdade que, nesse tipo de empresa, daria certo
até mesmo aquelas técnicas de "data mining tupiniquim", que usa
o Word para fazer a busca de induções sobre atributos. Então,
o "case" de sucesso é uma instância verificadora não do pacote,
mas sim do tipo de fluxo de idéias dentro da empresa.

Até mais,
Sergio Navega.

-----Original Message-----
From: hashimo@embratel.com.br <hashimo@embratel.com.br>
To: competitive-knowledge@yahoogroups.com
<competitive-knowledge@yahoogroups.com>
Date: Segunda-feira, 23 de Abril de 2001 18:48
Subject: Re: [competitive-knowledge] Re: Entropia

> Estive relendo todas as contribuições dessa discussão (que achei muito rica), e
> dois pontos me chamaram a atenção:

> 1. A característica, creio que da cultura ocidental, de estar constantemente
> buscando o "novo paradigma", isto é, o novo modelo que vai SUBSTITUIR o modelo
> vigente, em contraposição com outras culturas, nas quais se busca o modelo que
> COMPLEMENTA ou aperfeiçoa o atual. Em outras palavras, porquê falar em "crise"
> da mecânica clássica, se ela continua resolvendo perfeitamente os problemas de
> lançamento de projéteis e naves espaciais, ou do choque das bolas em uma mesa de
> bilhar? Não é mais adequado dizermos que compreendemos os limites do modelo e
> buscamos complementá-lo ou desenvolvê-lo para dar conta das situações fora
> desses limites? (mesmo que essa "complementação" seja muito mais complexa que o
> modelo original!) Essa questão é vista com muita clareza em nossa cultura gerencial,
> onde estamos sempre TROCANDO a "moda" atual pela próxima moda, ao passo
> que os japoneses, por exemplo, estão sempre acrescentando as novas idéias aos
> modelos existentes (o sistema de Qualidade japonês vem sendo aperfeiçoado há
> 50 anos e muitas das idéias e práticas iniciais ainda são utilizadas, constituindo-se
> em uma base sólida para novas práticas)

> 2. A insistência em buscar nas ciências exatas novas analogias, cada vez mais
> complexas, para o comportamento social, quando as mais simples já se mostraram
> frustrantes. Uma coisa é "buscar inspiração", como disse o Sergio, outra é
> forçar a analogia com estruturas às vezes até ainda mal demonstradas ou
> compreendidas em seu próprio campo de origem.
> Quanto à visão limitadora dos "quadros de referência e filtros, que condicionam
> nossa percepção da realidade e os conceitos e entendimentos que formamos", que é
> a visão da neurolinguística, prefiro uma visão mais otimista do proceso de
> aquisição de conhecimentos, em que as "estruturas" que percebemos, a partir
> daquilo que conhecemos, nos facilitam a aquisição novos conhecimentos.
> Embora sejam muito semelhantes, na primeira se enfatiza a limitação, na segunda
> a estratégia do aprendizado Apesar de conhecer pouco sobre o assunto, creio
> que essa é a visão Piagetiana do processo de aprendizado.
>
> Um abraço,
>
> Alberto


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