Mensagem do Grupo de Discussão Ciência Cognitiva

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Ciência Cognitiva - http://sites.uol.com.br/luzardo

From: Joao Texeira <jteixe@zaz.com.br>
>Ciência Cognitiva - http://sites.uol.com.br/luzardo
>
>Alo lista!
>Uma questao que parece surgir no horizonte da Ciencia Cognitiva e da qual
>tenho me ocupado nos ultimos meses - e que gostaria de discutir com voces - e:
>- Ate que ponto o desenvolvimento da Neurociencia nesta nossa decada do
>cerebro (que ja esta quase terminando) nao coloca em cheque o modelo
>computacional da mente que serviu de ponto de partida para a propria
>Ciencia Cognitiva?
>- Ou por outra: dependerao fenomenos como a consciencia, a inteligencia,
>etc, de arquiteturas especificas do cerebro? E, neste caso, modelos
>funcionalistas que partem de uma distincao entre software e hardware
>estariam em cheque?
>- Como fica o dialogo entre, de um lado, a Neurociencia e de outro modelos
>computacionais e funcionalistas que pressupoem, em grande medida, a
>independencia entre software e hardware?
>Acho esta uma questao muito inquietante, sobre a qual gostaria de ouvir
>opinioes. Uma tentativa de dialogo entre Neurociencia e modelos
>computacionais do funcionamento mental seria o conexionismo. Pelo menos,
>muitos afirmam que o conexionismo tem uma forte inspiracao biologica,
>"cerebral". [snip]

Prezado Prof. João,

Que ótimas questões para serem discutidas! Espero humildemente poder
contribuir com algumas opiniões. Acho que essas questões estão no
centro do nosso "problema" de hoje.

A neurociência está pondo em cheque o modelo computacional da Ciência
Cognitiva? Acho que, em parte, sim. Com isso não quero dizer que não
conseguiremos fazer computadores (ou robôs) desempenhar como a
mente humana, mas simplesmente que teremos que, provavelmente,
"simular" algumas coisas. Daí vem a ligação com o que realmente acho
que está "travando" tudo: não temos desenvolvida uma teoria mais
"fundacional", um alicerce mais razoável que suporte nossas construções.
Vou explicar melhor. Se meus textos estiverem muito longos, me
avisem.

Os modelos que temos hoje de neurônios biológicos são bastante
sofisticados. Tenho acompanhado os trabalhos de Koch, Sejnowski, Rieke
e outros. Em todos esses modelos, o que se encontra são mecanismos
complexos e não-lineares. O neurônio biológico *não é* simplesmente
uma caixa preta fazendo somatória proporcional das suas entradas: ele é
muito mais complexo.

Sim, o conexionismo tradicional também conta com modelos não lineares,
mas o que tem sido feito com as redes neurais artificiais são
simplificações grotescas (a começar pelo número de ligações de
um neurônio a outros, que no caso dos biológicos é de 1000 a até
cem mil). Não adianta tentarmos simular mais de perto os neurônios
biológicos, a complexidade computacional (em máquinas seriais, von
Neumann) seria proibitiva. Dá para simular bem um neurônio, mas
1000 já seria difícil. Imagine alguns bilhões.

Com as redes neurais artificiais sem poder nos atender (ainda mais
por possuirem as desvantagens citadas por Fodor e Pylyshyn, além
de outras desvantagens) e com o simbolicismo desacreditado, o
que nos resta?

Em minha visão o que nos resta é entender quais são as "ocupações"
do cérebro inteligente. Isto pode parecer óbvio, mas acho que
ainda não temos uma teoria sólida que cubra os aspectos mais
básicos. Estamos falhando em *detetar* qual o problema que os
cérebros resolvem! Uns acham que o cérebro é um processador
estatístico, detetando regularidades hierárquicas e construindo
modelos probabilísticos do que é captado pelos sentidos. Outros
acham que o cérebro é simbólico, executando inferências lógicas
sobre "proposições" captadas pelos sentidos. Ambas essas
(tradicionais) visões não tem correspondência nas evidências
disponíveis.

A linha mais promissora de investigação neurocientífica atual,
uma que acompanho com grande interesse, é a que objetiva entender
o funcionamento de *grupos* de neurônios. Mais importante do que
conhecer como funciona cada neurônio, acho que é interessante
compreender o comportamento de *populações* deles, suas formas de
sincronismo e operação conjunta. Aqui, tenho seguido os trabalhos
também de Sejnowski mas também de Wulfram Gerstner e principalmente
de Wolf Singer, talvez o maior investigador desse tema.

Esse pessoal tem proposto atacar de frente o problema mais complexo
(e importante) que é como o cérebro *representa* a informação. A
tática mais tradicional era associar comportamentos de reforço
sináptico com uma informação específica, o que deu origem à
idéia da "grandmother cell", o neurônio que identificaria
de forma única e exclusiva a face de nossa avó. Esse approach é, hoje
em dia, sabidamente falso. Não há *um* neurônio que guarde informações,
mas sim um grupo deles: as informações (e habilidades perceptuais) são
"guardadas" de forma totalmente distribuídas (os estudos com afásicos
comprovam isso).

(pequeno parêntese para o pessoal da lista: por favor, me avisem se
eu estiver usando muito jargão, minha intenção é ser compreensível).

Continuando, o que pode valer, então, para o cérebro não é a
"armazenagem" neuronal como vem sendo tradicionalmente colocado mas
sim o comportamento desses "ensembles" de neurônios. Uma informação
"chamaria" uma outra não através de um endereço ou referência como
a CogSci tradicionalmente dizia, mas sim através de uma *ressonância*
com um outro grupo de neurônios. Isto explica muita coisa!

Portanto, o que pode estar valendo é o comportamento oscilatório
desses grupos de neurônios. Esse comportamento é não-linear (portanto,
sujeito aos efeitos caóticos) e teria diversas comprovações experimentais
(coleciono várias evidências desse comportamento dinâmico; sigo os
trabalhos de Kelso e de Thelen & Smith que desenvolvem modelos
dinâmicos e complexos).

Para concluir, acho que a neurociência cognitiva (juntamente com a
neurociência computacional) vai nos sugerir, cedo ou tarde, quais os
mecanismos que estão em jogo no cérebro. A partir disso, teremos que
*reconsiderar tudo*, talvez descartando muitas das "verdades" que
a revolução cognitiva sugeriu (uma dessas "verdades" que questiono
é a presença de um mecanismo nativo especializado em linguagem no
cérebro de humanos, o famoso "language organ" de Chomsky e Fodor).

Espremendo essa "laranja", minha primeira preocupação é refazer as
hipóteses fundamentais, de forma a fazerem mais sentido em relação
à inteligência, não apenas humana, mas em termos gerais. Tomo como
base muitos dos postulados dos conexionistas (Elman, McClelland),
mas vejo valor em algumas considerações de simbolicistas (Fodor e
Pylyshyn). A verdade sobre nosso cérebro, assim como as informações
que ele contém, parece estar "distribuída" entre algumas idéias
desses nomes.

Até mais,
Sergio Navega.
http://www.intelliwise.com/snavega

Ciência Cognitiva - http://sites.uol.com.br/luzardo

From: André Luzardo <luzardo@uol.com.br>
>
>Cara lista, Caro João Teixeira,
>
>Na minha opinião essa trata-se da questão central na Ciência Cognitiva, uma
>vez que quase todas as abordagens empregam-se de modelos de forte apelo
>representacional. De fato, evidências empíricas conclusivas ainda estão
>muito longe, e essa década do cérebro foi uma coisa realmente falida. Quais
>foram os reais avanços? Acho que o maior deles foi a descoberta de que os
>neurônios continuam a se reproduzir por toda a vida e que não morrem com o
>tempo, apenas acabam perdendo a função. Mas o que que isso tem a ver com a
>Mente, de modo geral? É por isso que a nossa memória é virtualmente
>infinita? Cadê a relação?
>

André, não é bem assim. O que foi descoberto é o crescimento de neurônios
no hipocampo, um par de estruturas pequenas no cérebro. O restante não tem
evidências de crescimento (a neurogênese termina antes de nosso nascimento).

Depois, há realmente perda (morte) de neurônios, a uma taxa incrível. Não
temos problemas sérios de performance com essa perda porque o que importa
é o número (e qualidade) das ligações entre neurônios (conexões sinápticas),
além do fato de que muito da "armazenagem" de informações é altamente
distribuída, tirando a "responsabilidade" do neurônio individual e
colocando em grupos deles (o que faz haver problemas apenas em casos
de derrames, acidentes físicos, tumores).

As conexões sinápticas tem crescimento mesmo em pessoas idosas e é
a grande responsável pela manutenção de cérebros ágeis mesmo em
"old guys" (ainda bem!).

>O meu ponto de vista pessoal é muito parecido com o de John Searle. Os
>processos mentais são características do nosso cérebro e causados pelo
>cérebro. Aí está escrito o fim da Psicologia como a conhecemos hoje; essa
>história de ficar fazendo modelos computacionais (algoritmicos) do nosso
>comportamento pode ser substituída com vantagens por modelos fisiológicos do
>cérebro. Vamos direto a causa! O paralelo com a física é imediato: você pode
>descrever com relativa precisão fênomenos naturais simplesmente com base nas
>suas características macroscópicas, como o fato de que tudo que é de madeira
>queima, mas com a descoberta do átomo e dos elementos químicos, pode-se
>saber que na verdade tudo que for algum composto de carbono é que queima e
>aí a teoria é muito mais abrangente. A relação causal é do micro para o
>macro e a mesma coisa deve ser feita com a mente. Nossos processos mentais
>são efeitos macroscópicos causados pela arquitetura e composição
>microscópica do cérebro. Estude o cérebro e estará estudando a mente!

Existe um passo aqui que não pode ficar descoberto. O reducionismo que
você propõe é atrativo, mas ele desconsidera o que ocorre com grupos
de elementos, quando comparado ao comportamento individual dos elementos.
Desde o surgimento da teoria do Caos, sabe-se que muito do comportamento
de um sistema complexo não pode ser previsto pelas características dos
seus componentes individuais. O cérebro é um mecanismo caótico e não-
deterministico. Seu comportamento não consegue ser totalmente explicado
pelo funcionamento neuronal individual (e olha que eu adoro neurociência!).

A ciência cognitiva (e a psicologia em menor monta, quando considerada
ciência...ha ha ha) consegue idealizar modelos do cérebro que não podem
ser "antevistos" a partir do "baixo nível" dos neurônios (pelo menos por
enquanto). Por isso, eu ainda não tenho nenhuma razão para acreditar
que o cérebro possua "mecanismos causais especiais" que o tornem
inteligente à frente de uma máquina. Para mim, esta última também poderá
ser inteligente, a partir do momento em que nós entendamos *como*
esse diabo funciona.

>
>No entanto, isso não parece implicar, como Searle propõe, que só os humanos
>possuem intencionalidade e portanto só eles poderão possuir consciência. Se
>você assume que consciência só pode existir neste ambiente físico-químico
>cerebral, tudo bem, mas quem disse isso? É por isso que a consciência ainda
>pode vir a ser criada em outros ambientes, como nas máquinas. Isso até
>estaria mais em conformidade com uma posição funcionalista, que afirma ser
>possível, conhecendo muito bem a função, modelar processos inteligentes em
>máquinas e outros aparelhos artificiais.
>

Estou contigo aqui.

>Acredito que se isso vier a se confirmar, a ciência cogntiva como a
>conhecemos poderá ser afetada diretamente. Acho que hoje ela ainda está
>muito misturada. Juntam-se teóricos de áreas bem distintas, como
>Inteligência Artificial, Antropologia e Psicologia. Se a psicologia vier a
>se reduzir a modelos mais fisiológicos ela fatalmente voltará para o estudo
>estrito da consciência humana, quebrando o elo de ligação com a Inteligência
>Artificial. Esta última se ocupará de outro tipo de comportamento, o das
>máquinas, e quem sabe, não poderemos ver psicólogos de robos no futuro?

Sabe, tem Psicologias e tem psicologias...
O duro é enfrentar coisas do tipo psicologias Junguianas, análise
transacional e dúzias de variantes. Aí eu acho que a coisa pode complicar.

Mas a Psicologia Cognitiva (Cognitive Psychology) é tão ciência quanto
qualquer outra ciência natural. Seus métodos são sofisticados e bastante
rigorosos (é só dar uma olhada nos Proceedings of The Cognitive Science
Society para ver o como seus pesquisadores procedem). O conhecimento que
está sendo adquirido é bastante importante para uma formação de modelos
complexos e de alto nível de nossa mente, algo que creio estar quase
fora do alcance da neurociência tradicional. Para quem não estiver
convencido da importância da Ciência Cognitiva, no mínimo acho
conveniente estudar Cognitive Neuroscience (Gazzaniga), uma disciplina
intermediária e que creio estar preenchendo o "buraco" entre as duas
anteriores.

Até mais,
Sergio Navega.

Ciência Cognitiva - http://sites.uol.com.br/luzardo

From: Rogério Guimarães Rodrigues <rogerio@ez-bh.com.br>
>Sergio e lista,
>
>Sergio Navega escreveu:
>
>> Não sei se consegui entender bem o que você perguntou (embora ache que
>> sua dúvida é muito pertinente), mas a coisa toda se prende à diferença
>> básica
>> entre Fisica/Quimica e Matemática: as primeiras usam o mundo como fonte de
>> evidências para suas teorias, modelos e leis, enquanto a última usa
>> axiomas arbitrários como origem e não tem *nada* a ver com o mundo real.
>> Uma não pode ser reduzida à outra: são coisas totalmente diferentes.
>> Uma teoria matemática do mundo só funciona enquanto as evidências que
>> coletamos do mundo coincidem com as previsões dessa teoria. No momento em
>> que deixam de coincidir, jogamos fora o modelo matemático e tentamos achar
>> outro (nao podemos jogar fora as evidências do mundo...)
>
>Eu acho que não tenho dificuldade em reconhecer a necessidade de uma
>diferenciação de dois níveis distintos e nem no fato de reconhecer que um modelo
>é uma abstração das evidências do mundo; ou então não se denominaria modelo.
>
>Mas a minha dúvida, que talvez não tenha ficado clara é: um modelo que se baseia
>em uma caixa preta que faz somas proporcionais não está baseado em *evidências
>do mundo* que não passam de uma caixa preta também? Porque nesse caso teríamos
>um modelo de um modelo e não um modelo das evidências do mundo. A limitação me
>parece ser do grau de explicação no qual a neurociência conseguiu chegar e não
>do modelo em si. Parece faltar o que modelar, entende?
>

Rogério, eu ainda estou intrigado com sua questão, mais especificamente
porque você considera caixa preta as "evidências do mundo". Claro, o que
percebemos do mundo (embora seja a nossa única "realidade") não é o mundo
em si, mas apenas um mínimo "subset" de informações captadas e traduzidas
pelos nossos sentidos. Construimos a nossa noção de mundo baseado nessa
"visão parcial" que temos dele, através das limitações de nossos sentidos.

Então (me corrija se eu estiver errado) o que você estaria questionando é
a modelagem (pelos neurônios) de uma "sombra" da realidade, um outro
modelo do mundo feito pelos sentidos, limitados, parciais e inexatos.
Se for isso, então tenho algumas idéias.

Nossos neurônios tentam achar padrões e regularidades nos impulsos que
"saem" de nossos aparelhos sensoriais (visão, tato, olfato...). Eles
não podem fazer nada além disso. Esse "problema", em termos
computacionais, foi resolvido por nós (adultos humanos) em duas
"etapas":

a) A evolução "desenvolveu", em milhões de anos, aparelhos sensoriais
com características determinadas (nossa visão só "enxerga" um espectro
definido de frequências, nossos ouvidos vão de 20 a 16Khz, etc). Todas
essas características (incluindo a forma como são codificadas essas
informações, em termos de impulsos) foram refinadas por seleção
natural darwiniana.

b) Os adultos humanos passaram por um extenso processo de aprendizagem,
iniciado nos primeiros segundos de vida e que não pára nunca. Isto
altera *fisicamente* o cérebro (aparecem novas conexões sinápticas e
a eficácia das já existentes se altera de acordo com reforços ou não
de experiências).

Esses são os dois processos que nos explicam quase tudo em termos
cognitivos (falta apenas criatividade, mas isto é para outra mensagem).

>É uma dúvida básica minha que não sei se procede, e que está sendo uma "pedra no
>meu sapato": quando separo os dois níveis (físico/químico e lógico), não consigo
>achar uma boa explicação do porque de um neurônio disparar. Daí a minha questão
>em relação à caixa preta e à ausência do que modelar.
>

Eu talvez ainda não esteja compreendendo exatamente sua questão principal,
mas diria que o nosso raciocínio lógico e matemático é uma "criação" que
nossa mente fez baseada na percepção de coisas invariantes na natureza.
A matemática, ao contrário do que alguns cientistas (e muitos filósofos)
pensam, não "existe" na natureza, ela só existe em nossa cabeça.

Todo o dia o sol nasce e ao final da tarde se põe. Mesmo que esse processo
esteja cercado de "detalhes", esse aspecto altamente regular *sugere*
para nossa mente a possibilidade de criar convenções sintáticas (simbólicas)
que sejam representações lógico/matemáticas para essa *regularidade
absoluta*. Nós não temos certeza absoluta de que o sol nascerá amanhã
(só temos uma imensa probabilidade de que sim), mas as verdades matemáticas
(por exemplo, a prova de que não existe um limite superior para números
primos), essa é uma *verdade absoluta*, nunca irá ser desmentida pois
foi provada em termos dos axiomas fundamentais da matemática. Isto só
muda se mudarmos os axiomas.

A grande diferença é essa, tudo o que a fisica/química/biologia, etc lida
é com *modelos científicos*, que podem ser alterados com o aparecimento
de novas evidências. Tudo em ciência é "provisório", nada é definitivo
como na matemática.

Até mais,
Sergio Navega.
http://www.intelliwise.com/snavega

Ciência Cognitiva - http://sites.uol.com.br/luzardo

From: Rogério Guimarães Rodrigues <rogerio@ez-bh.com.br>
>Ciência Cognitiva - http://sites.uol.com.br/luzardo
>
>Oi lista!
>
>Sergio Navega escreveu:
>
>> (...) O neurônio biológico *não é* simplesmente
>> uma caixa preta fazendo somatória proporcional das suas entradas: ele é
>> muito mais complexo.
>
>Dentro das colocações do Sérgio aparece uma questão que vem me preocupando e da
>qual ainda não consegui sair... Como a teoria das redes neurais artificiais lida
>com um argumento filosófico tradicional que Popper chama de "argumento de
>Haldane", ou seja, da impossibilidade de se reduzir a lógica à física e à
>quimica?

Não sei se consegui entender bem o que você perguntou (embora ache que
sua dúvida é muito pertinente), mas a coisa toda se prende à diferença básica
entre Fisica/Quimica e Matemática: as primeiras usam o mundo como fonte de
evidências para suas teorias, modelos e leis, enquanto a última usa
axiomas arbitrários como origem e não tem *nada* a ver com o mundo real.
Uma não pode ser reduzida à outra: são coisas totalmente diferentes.
Uma teoria matemática do mundo só funciona enquanto as evidências que
coletamos do mundo coincidem com as previsões dessa teoria. No momento em
que deixam de coincidir, jogamos fora o modelo matemático e tentamos achar
outro (nao podemos jogar fora as evidências do mundo...)

>
>Se é uma caixa preta fazendo soma proporcional ela não lida com o argumento,
>lida? Se pensarmos em temos aplicativos das redes neurais, tais como automação e
>controle, me parece não fazer diferença. Mas e se for para prestar auxílio numa
>explicação do funcionamento cerebral?
>

As vezes eu posso ser considerado como um conexionista, pois defendo algumas
das idéias desse pessoal. Mas na verdade, eu não gosto muito das redes
neurais. Existem diversos problemas (inclusive em relação à complexidade
de treinamento, cf. Judd) que os "experts" ainda estão queimando as pestanas
para tentar resolver. Parece fácil dizer que o cérebro é um mecanismo
neural do tipo que emulamos em nossos micros, mas não é isso que a prática
tem mostrado. Existe um outro mecanismo por trás disso tudo, algo que
ainda não foi convenientemente formalizado.

Até mais,
Sergio Navega.

Ciência Cognitiva - http://sites.uol.com.br/luzardo

From: Rogério Guimarães Rodrigues <rogerio@ez-bh.com.br>

>[snip]
>As dúvidas:
>
>- será que o corpo celular não é reduzido também a um ponto ou a uma caixa preta
>que coincide com o topo do axônio na descrição do nível B?
>
>- não é necessário um fenômeno físico/químico (nível B) no interior do corpo
>celular para que haja uma correspondência entre os diversos potenciais locais
>pós-sinápticos e o potencial de ação no seguimento inicial do axônio? Ou seja:
>qual o mecanismo físico/químico (nível B) que faz a integração das contribuições
>pós-sinápticas e que vai garantir o disparo do neurônio?
>

Nesses dois casos, o que os neurocientistas computacionais aparentam estar
fazendo é a elaboração de (complexos) modelos matemáticos para explicar
o tráfego elétrico de sinais nos dendritos, na soma (corpo celular) e
nos axônios. Os modelos são complexos e são representações matemáticas
da realidade bioquímica dos neurônios, ou seja, são "simplificações" da
realidade, que vão explicar as coisas até certo ponto. Quando não houver
mais evidências que não possam ser explicadas pelos modelos propostos,
então poderemos dizer que temos uma visão estável do que está ocorrendo
lá embaixo. Até que outro Einstein puxe nosso tapete de novo...

>- será que não existe uma confusão entre os dois níveis na medida em que uma
>soma é uma descrição do nível M e, portanto, não aplicável ao nível B?
>

Uma adição é um conceito matemático que tem correspondente direto na
natureza. É uma abstração que *segue* o que encontramos na natureza,
portanto é um modelo utilizável. Mas essa soma *não é* o que está
acontecendo lá embaixo, é só uma representação simbólica daquilo.
Matemática e Lógica tem vida própria, independente do mundo real.
Mas as ciências naturais usam-nas como auxiliares no desenvolvimento
desses modelos abstratos do mundo.

>- por que se pode falar que um porcesso de "difusão passiva" no nível B (como o
>faz Kovács) corresponde a um processo de soma no nível M?
>
>É neste sentido que coloquei que parece existir um modelo (nível M) de um outro
>modelo (a idéia implícita de uma soma no nível B). Fiz ainda uma distinção entre
>"evidências do mundo" (entre àspas) e evidências do mundo (sem àspas), pois
>parece faltar o que modelar.
>

Na verdade, existe um modelo matemático de um outro modelo (nossa
representação do que ocorre em termos bioquímicos dentro da célula).
Nossa visão *inteira* do universo é um modelo, construído a partir do
que percebemos pelos sentidos (que já são transformações, com perdas
e introdução de "artifacts") das energias que "caem" sobre eles.

Até mais,
Sergio Navega.

Ciência Cognitiva - http://sites.uol.com.br/luzardo

From: André Luzardo <luzardo@uol.com.br>
>
>>Sergio wrote:
>> As conexões sinápticas tem crescimento mesmo em pessoas idosas e é
>> a grande responsável pela manutenção de cérebros ágeis mesmo em
>> "old guys" (ainda bem!).
>
>O que eu quis dizer é que faltam boas explicações para fenômenos
>fisiológicos encontrados no cérebro. Estava brincando quanto à história da
>memória ser infinita por causa disto. Mas um dos achados revela sim que os
>neurônios não morrem com a idade. Essa descoberta ainda precisa ser melhor
>estudada e o que eu fiquei sabendo foi só uma prévia da divulgação do fato.
>

Concordo que ainda faltam boas explicações para o que ocorre com os
neurônios em nível mais elementar. Prova disso é que não parece haver
formas experimentais de "derrubar" as sandices que Roger
Penrose propõe em "Emperor's New Mind" e "Shadows of the Mind"
(será que a lista tem alguém favorável às opiniões dele?).

Mas os neurônios realmente morrem. Um feto logo antes do nascimento
possui de 30 a 60% mais neurônios do que o adulto correspondente terá
(entretanto, eles ainda não estão posicionados corretamente, existe
um movimento deles com o decorrer do desenvolvimento, o que está
relacionado ao aumento do tamanho do cérebro). Mas isso não tem a ver
diretamente com outro importante aspecto, o da plasticidade sináptica.

Neste caso, o número de conexões sinápticas aumenta dramaticamente
*após* o nascimento do bebê, tendo seu pico entre cerca de 2 ou 3
anos de idade. A partir disso, essas conexões crescem mais lentamente
até a adolescência. Depois disso, a plasticidade entra em ação
mais ostensivamente apenas quando acontece algo de muito dramático
(como a perda de visão em um adulto). Aí, existe uma reorganização
nas conexões muito intensa, dando origem, entre outras coisas, à
maior habilidade perceptual tátil e auditiva dos cegos.

>>[snip]
>> A ciência cognitiva (e a psicologia em menor monta, quando considerada
>> ciência...ha ha ha) consegue idealizar modelos do cérebro que não podem
>> ser "antevistos" a partir do "baixo nível" dos neurônios (pelo menos por
>> enquanto). Por isso, eu ainda não tenho nenhuma razão para acreditar
>> que o cérebro possua "mecanismos causais especiais" que o tornem
>> inteligente à frente de uma máquina. Para mim, esta última também poderá
>> ser inteligente, a partir do momento em que nós entendamos *como*
>> esse diabo funciona.
>>
>
>Mas aí é que está! Ninguém está propondo um modelo baseado no funcionamento
>de um neurônio apenas. É óbvio que devemos considerar as unidades
>individuais, tanto como as suas ligações e todos os outros processos que
>estão em jogo no cérebro. Acontece que eu sou meio cético quanto às divisões
>em *vários* níveis da mente humana. Dizer que existem vários processos e
>cadeias de acontecimentos que ocorrem no cérebro é uma coisa, agora dizer
>que o nível cerebral influencia o nível mental que influencia o nível
>comportamental já é outra bem diferente. Fazendo isso você implica que
>existem coisas que existem apenas no nível comportamental, sem correlato
>fisiológico. E o que seriam elas?
>

Você tocou em um ponto que é bastante importante. Deixa eu ver se
entendi corretamente: o que a gente ganha desenhando modelos em níveis
distintos de explicação? Por que não ficar apenas com o nível da
neurociência para explicar tudo? Simplesmente porque não dá. Nós
(nosso cérebro) não tem capacidade de "pensar" em coisas muito
complexas. Temos que dividir as coisas em modelos simples, algumas
vezes redundantes, outras conflitantes.

Fazemos isso porque o processo da ciência envolve frequentemente a
construção de modelos da realidade. Nunca poderemos ter certeza de
que esses modelos representam 100% a realidade, só sabemos que eles
são nossos melhores "palpites" para explicá-la.

Acho que uma forma de entender a necessidade desses níveis é através
daquilo que está em nossa frente agora: o computador. Poderiamos
pensar em um curso de Ciência da Computação em uma Universidade que
estudasse apenas o fluxo de elétrons em transistores e capacitores?

Acima desse nível temos que colocar o nível dos opcodes e da
linguagem de máquina, um "modelo abstrato" que fazemos do que está
em nível mais baixo (as cargas elétricas, etc...). Nesse nível
teriamos além dos opcodes, os registradores, o acesso à memória
indexado, as instruções de adição, multiplicação e outras.

Acima desse nível, temos o Sistema Operacional, multitasking,
context switches. Tudo abstrato, sem "existência" física.

Acima disso temos as linguagens de alto nível, as variáveis locais,
a passagem de parâmetros para funções. Acima disso temos o nível dos
aplicativos, os arquivos de configuração, a interface visual.
Acima disso temos o modelo lógico do aplicativo, entradas, saídas,
definição de campos de arquivos, bases de dados, etc.

O spooler de impressão (programa e arquivos de spool) é uma "coisa"
que só existe em nível abstrato, ele não "existe" individualizado
em nível de cargas elétricas nos chips de memória do micro. Ele
é uma criação, um modelo que inventamos para poder raciocinar
simplificadamente. É com esse modelo que um especialista em redes
locais pode diagnosticar um problema de impressão na rede. Sem
esse modelo, não haveria como "pensar" sobre isso.

Acredito que a mente (aprendizado de linguagem, percepção visual,
discriminação auditória, consciência, etc, etc) é um desses
modelos (cheio de detalhes abstratos) que temos que criar, se
quisermos "pensar" sobre o cérebro. Se ficarmos só nos
neurotransmissores e íons de potássio e sódio, não dá para
refletirmos sobre, por exemplo, reconhecimento de objetos.

>>[snip]
>> Mas a Psicologia Cognitiva (Cognitive Psychology) é tão ciência quanto
>> qualquer outra ciência natural. Seus métodos são sofisticados e bastante
>> rigorosos (é só dar uma olhada nos Proceedings of The Cognitive Science
>> Society para ver o como seus pesquisadores procedem). O conhecimento que
>> está sendo adquirido é bastante importante para uma formação de modelos
>> complexos e de alto nível de nossa mente, algo que creio estar quase
>> fora do alcance da neurociência tradicional. Para quem não estiver
>> convencido da importância da Ciência Cognitiva, no mínimo acho
>> conveniente estudar Cognitive Neuroscience (Gazzaniga), uma disciplina
>> intermediária e que creio estar preenchendo o "buraco" entre as duas
>> anteriores.
>>
>> Até mais,
>> Sergio Navega.
>
>Eu até que conheço relativamente bem a Psicologia Cognitiva e a considero,
>como vc diz, uma ciência natural. Mas o problema que enxergo nela é
>exatamente o fato de ela ser toda baseada na abordagem computacional da
>mente. Esta é a grande questão. Nossa mente é um grande computador, para
ser
>estudada como um?
>

Aqui acho que você tocou em um outro ponto importante. É uma distinção
bastante válida que temos que fazer: o cérebro é como um computador ou
o cérebro pode ser *simulado* em um computador?

Há várias formas de interpretar isso tudo. Podemos dizer que o cérebro
é como um computador digital, afinal de contas os neurônios estão
ativos ou inativos, disparam ou não, zero ou um. É um convite ao
uso de idéias digitais, como alguns teóricos fazem. É em cima desse
pessoal que caem as críticas mais pesadas ao computacionalismo, em
especial as do próprio Penrose e Searle e outros. A coisa vem feia
para esse pessoal desde o famoso "teorema da parada" de Turing.

Mas outra coisa é pensar em um cérebro executando *computações*, ou
seja, processando informação. Aqui não precisamos dizer que o
processamento é digital (nem que é uma máquina de Turing), pode
muito bem ser analógico (parênteses: digital/analógico é tema para
várias páginas de texto tanto contra quanto pró).

Em minha opinião, nada disso é fundamentalmente importante. O que é
*realmente* importante é entender que tipo de processamento de
informação é feito pelo cérebro. É isso que devemos *duplicar*
em computadores (não importando qual o algoritmo ou método) para
conseguir *inteligência*. Como exemplo, existem as idéias de que
o cérebro atua, em certo nível, como um "compressor" de dados.
Em certa monta, essa visão lembra muito as origens informacionais
da vida celular, algo que ainda está dando panos para manga.

Até mais,
Sergio Navega.

Ciência Cognitiva - http://sites.uol.com.br/luzardo

From: Rogério Guimarães Rodrigues <rogerio@ez-bh.com.br>

>Ciência Cognitiva - http://sites.uol.com.br/luzardo
>
>Sergio Navega escreveu:
>
>> Nesses dois casos, o que os neurocientistas computacionais aparentam estar
>> fazendo é a elaboração de (complexos) modelos matemáticos para explicar
>> o tráfego elétrico de sinais nos dendritos, na soma (corpo celular) e
>> nos axônios. Os modelos são complexos e são representações matemáticas
>> da realidade bioquímica dos neurônios, ou seja, são "simplificações" da
>> realidade, que vão explicar as coisas até certo ponto. Quando não houver
>> mais evidências que não possam ser explicadas pelos modelos propostos,
>> então poderemos dizer que temos uma visão estável do que está ocorrendo
>> lá embaixo. Até que outro Einstein puxe nosso tapete de novo...
>
>Alguém poderia me indicar uma referência bibliográfica descrevendo o
>conhecimento "fisíco/químico" que se tem atualmente em termos de níveis mais
>baixos (nível metabólico) e sobre tentativas de  equacionar isso com níveis mais
>elevados (nível de rede)?
>
>Estou querendo compreender melhor esse "mundo" de canais de transdução de sinal,
>LTP, LTM, etc... mas sem perder a noção de rede.
>

Olá, Rogério,
Aqui vão algumas referências sobre esse assunto. A maior parte é
um pouco "pesada", mas dá para ganhar uma boa idéia das essências.

Neural Computing Course
http://www-isis.ecs.soton.ac.uk/computing/neural/

Collective Computation Course
http://www.klab.caltech.edu/cns185/

Computational Models of Neural Systems Course
http://www.cs.cmu.edu/afs/cs.cmu.edu/academic/class/15880b-s95/Web/home.html

Esses são três cursos bem detalhados sobre os processos neurais
e suas implementações computacionais. Contém slides, papers e
lecture notes.

Lateral Interactions in the Cortex
Joseph Sirosh, Risto Miikkulainen, Yoonsuck Choe (editors)
http://www.cs.utexas.edu/users/nn/web-pubs/htmlbook96/index.html

Miikkulainen e Sirosh vem há alguns anos fazendo modelos, principalmente
do córtex visual. Miikkulainen (o nome é estranho assim mesmo) tem
também trabalhos relacionados ao tratamento de linguagem natural usando
conexionismo, veja:
http://www.cs.utexas.edu/users/nn/pages/publications/publications.html

O melhor livro que tenho sobre esse assunto é este:

Fundamental Neuroscience
Michael J. Zigmond, Floyd E. Bloom (et al.)
Academic Press (1999)
Esse é um desses livros que deveriam vir acompanhados de um carrinho
para carregar. Tem mais de 1500 páginas em formato grande e vai
fundo em todos os aspectos.

Comparavel a esse volume, tem talvez o meu livro preferido
(recomendo enfaticamente):

The Handbook of Brain Theory and Neural Networks
Michael A. Arbib (editor)
MIT Press 1998

Este livro vale ouro! Tem mais de 260 artigos curtos sobre os
mais diversos aspectos, de neurônios biológicos a modelos
conexionistas, desenvolvimento, cerebelo, hipocampo,
aprendizagem hebbiana, sistemas sensoriomotores, tudo.
Recentemente escaneei um dos artigos para um colega
americano que precisava de uma referência, você pode
vê-lo em:

http://www.intelliwise.com/misc/hebb1.gif
http://www.intelliwise.com/misc/hebb2.gif
http://www.intelliwise.com/misc/hebb3.gif
.
.
até http://www.intelliwise.com/misc/hebb8.gif

Até mais,
Sergio Navega.


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