Mensagem do Grupo de Discussão Ciência Cognitiva

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Ciência Cognitiva - http://sites.uol.com.br/luzardo

From: André Luzardo <luzardo@uol.com.br>
>
>Sergio
>
>Essa idéia de não considerar a linguagem como de certa forma inata me parece
>bastante interessante. Agora vejo o ponto onde você quer chegar. Mas
>deixe-me fazer o papel de advogado do diabo aqui.

Adoro enfrentar advogados do diabo ;-)

>
>Bom, o seu ponto principal é considerar o cérebro como um mecanismo que se
>auto-constrói sob demanda. Aqui, creio eu, está a essência da coisa. Mas ele
>não se auto-constrói o tempo todo; faz isso até os 5 anos e depois apenas
>reorganiza o que já está lá. Esse argumento explica por que a linguagem não
>consegue ser aprendida mais tarde e oferece a oportunidade para esquecermos
>o determinismo genético de um órgão linguístico.

Bem, na verdade o que se nota é que o pico da plasticidade sináptica
acontece aos 18 meses e a partir daí a coisa se estabiliza e decresce
nos anos seguintes, variando pouco no restante da vida do indivíduo.
Mas a plasticidade ainda parece continuar (embora em menor escala)
mesmo em adultos.

A questão parece ser a seguinte: quando a complexidade informacional
do que tem que ser aprendido é grande, então a plasticidade parece
ser grande também. Não parece, mas os bebês tem um problema
informacional para resolver muito mais complicado do que o que
nós adultos enfrentamos (proporcionalmente o cérebro de um bebê
consome mais energia do que o de um adulto).

O cérebro dos bebês tem que "se virar" para tentar obter alguma
informação de sinais sensórios complexos, ruidosos e ambíguos.
É um problemão.

>
>Mas pensemos juntos: os linguistas já catalogaram toda uma gama de
>similaridades entre as linguas humanas. Apesar delas possuirem diferenças
>óbvias na expressão, sempre podemos encontrar a mesma estrutura básica, como
>verbos, nomes e etc. Como explicar essa similaridade dentro de um sistema
>que pode, a princípio, se construir de maneiras bem diferentes? Não
>deveríamos observar linguagens realmente bem diferentes uma das outras?
>

Não creio. Veja que o que é considerado comum entre as linguas
é na realidade coisas que são comuns entre os seres humanos: todos
nós compartilhamos de um mesmo "universo". Nesse universo, temos
objetos (substantivos), ações (verbos), atributos de objetos
(adjetivos), etc. Nós brasileiros temos em comum com os Hutus
africanos o fato de estarmos sujeitos ao mesmo tipo de universo
causal. A gravidade puxa ambos para o solo, as rochas se movem
quando chutamos elas, o sol esquenta nossa face da mesma forma,
a noite é fria e escura, a fruta é doce, a dor é desagradável, etc.

Mas tem mais: a finalidade primeira (talvez a fundamental) de uma
linguagem é providenciar uma forma simbólica de comunicação entre
organismos (mesmo que suas estruturas semânticas sejam relativamente
diferentes).

Ora, se o "receptor" não consegue entender o que foi dito pelo
"transmissor", então a linguagem não se desenvolve. Linguagem é
o resultado do estabelecimento de "símbolos" (gráficos, textuais,
sinais manuais, desenhos na pedra, caretas, sons guturais, etc)
que possam ser compreendidos pelo receptor por associação com
eventos sensórios. Não dá para ter sintaxe evoluída antes de
ter a semântica estabelecida. E não dá para transmitir abstrações
totalmente simbólicas (como essa nossa discussão filosófica em
ASCII e Português) sem ter um firme terreno conceitual/sensório
no qual plantar esses símbolos.

Este é um ponto muito importante: linguagem é uma coisa que só
tem sentido em *comunidades* de agentes. Nós não desenvolvemos
linguagem para conversar conosco mesmo (embora possamos usá-la
para isso; na realidade, talvez um efeito colateral da linguagem
seja nossa consciência evoluída). Desenvolvemos linguagem para
que comunidades possam efetivar trabalho cooperativo, e desta
forma ganhar uma vantagem evolutiva que é distribuída para
toda a comunidade (coordenação de ação faz o grupo como um
todo se beneficiar, pois pode atacar um "mamute" e prover
carne para todo o grupo). Linguagem é uma entidade dinâmica,
que evolui "fora" da cabeça das pessoas.

>Este foi um primeiro ponto duvidoso. Vejamos outros: seu ponto de vista me
>lembra muito o de Luria, que afirmava ser o conhecimento e, basicamente, a
>mente humana construída a partir de suas experiências históricas. Bom, até
>onde eu sei este ponto de vista nunca foi observado experimentalmente,
>embora Luria tenha se esforçado muito. Creio que existem certas
>determinações biológicas para a construção do cérebro e são essas
>determinações que estão escritas nos genes. Se não fosse assim o cérebro de
>cada um seria uma entidade única e não haveriam padrões tão claros nem no
>cérebro nem na mente. Essa auto-construção deve ser limitada! E esse limite
>é que pode estar escrito nos genes. Se assim for, não há diferença entre um
>órgão da linguagem genético e uma habilidade de construí-lo conforme os
>estímulos do meio.

Concordo que se o cérebro não fosse "limitado" de alguma forma ele
evoluiria individualmente de uma maneira incompatível com os outros
de sua espécie. Certamente existem fatores que orientam em que
sentido ele, como órgão, deve evoluir durante sua vida.

Mas a questão é o que (ou quem) faz essa orientação: você propôs
que devem ser os genes. Obviamente, os genes são importantes e eles
controlam muitos aspectos mais globais do cérebro. Mas eles não são
o único (talvez nem o principal) fator: um fator realmente importante
para essa auto-organização parece ser a demanda do ambiente sobre
o indivíduo. Lembre-se do que acontece com adultos que ficaram
cegos: parte do córtex visual é "requisitado" para auxiliar na
percepção tátil e auditiva. Essa reorganização ocorre porque o
meio ambiente demanda desempenho do indivíduo (visto de outra forma,
o indivíduo deseja ardentemente desempenhar atividades sofisticadas
nesse meio ambiente), e ele "se força" a se adaptar.

É difícil imaginar que essa auto-organização (do reuso do córtex
visual para efeitos táteis e auditivos) esteja explicitada nos
genes. O que parece estar armazenado nos genes são instruções
para os neurônios do tipo "faça tudo o que puder para se adaptar
ao que o ambiente exigir de você".

Assim, linguagem parece ser fruto de uma auto-organização
desenvolvida porque o meio ambiente *requer* isso do indivíduo.
A pressão para que as crianças aprendam linguagem é *enorme*.
Não importa se pobre ou rica, alegre ou triste, aqui ou no
Tibet: os humanos tem de especial uma necessidade *emocional*
de se comunicar e expressar sentimentos. E essa pressão é
enorme, calculo que similar àquela que ocorre com um adulto
que perdeu a visão.

É essa a pressão que eu acho que "provoca" a linguagem no cérebro.
Pelo menos todas as evidências que eu estou levantando apontam para
essa direção.

>
>Além disso, a questão da pobreza de estímulos ainda se impõe. Mesmo que a
>questão sintática não seja tudo, a criança precisa muito dela para de fato
>expressar a semântica que ela já começa a perceber. E o que parece é que o
>cérebro de uma hora para outra se organiza de uma forma padronizada que
>permite que ela entenda estes padrões e os expresse. Não seria muita
>pretensão julgar os estímulos que ela é submetida como suficientes?
>

Na verdade, acho que é pretensioso o que Chomsky (et al.) querem supor:
que não há estímulos suficientes. Qualquer um que tenha tido um filho
pode atestar: as crianças começam a falar por causa de coisas que
são preciosas para elas. Um bebê vê um ursinho e aprende que se ele
falar 'dá', ele consegue convencer seus pais a lhe dar o brinquedo.
Quando o bebê fala essa palavra (a princípio de forma imitativa),
é fácil perceber que ela vem acompanhada de uma carga emocional.
Outra palavra "importante" é o 'não'. Quando a criança aprende isso,
começa a usá-la para expressar sua teimosia ou sua vontade
de "testar" os limites dos pais.

Essas são razões emocionais e práticas que forçam a criança a buscar
todo o tipo de informação possível sobre linguagem. Elas ficam
"de olho" na conversa dos adultos e através da percepção de gestos,
olhares, sinais, entonação, etc., dezenas ou centenas de referências
semânticas são capturadas e correlacionadas com a sintaxe percebida.
Daí para a geração de frases criativas é um passo pequeno. É um
processo fabuloso e que serve para demonstrar quão extraordinário
é o cérebro humano.

Mas uma criança não teria motivos para inventar uma linguagem
sofisticada se estivesse sozinha, isolada do mundo. Nesse aspecto,
considero linguagem similar ao desenvolvimento da percepção
visual, algo que precisa de estímulos externos para se potencializar.

Até mais,

Sergio Navega
http://www.intelliwise.com/snavega


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