Mensagem do Grupo de Discussão Ciência Cognitiva

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-----Original Message-----
From: jq2@ig.com.br <jq2@ig.com.br>
>
>Caro Sérgio;
>
>Perdoe-me a incisividade, mas sua resposta explicita o preconceito
>aparentemente embutido na proposição do Rogério (já sei que não, Rogério,
>acabei de ler sua última mensagem), isto é, considerar a filosofia como
>"chutes", e a ciência como "evidências". Essa maneira de ver a coisa é
>sublinhada pelo exemplo que você usa -Einstein e a curvatura do espaço-, na
>qual, pela verificação, produziu-se (você o diz) a alquímica transformação
>de filosofia em ciência.

Caro Ivan,

Sempre um prazer dialogar com você. Pena que às vezes me
falte mais tempo.

Boa parte do meu texto pode realmente dar a entender isso que você
interpretou, que eu estaria colocando a filosofia como obra de
imaginação contra uma ciência que (deveria) ser objetiva. Mas
preciso retificar um pouco essa interpretação. É preciso distinguir
três formas aqui para que minhas intenções fiquem mais claras:

Ciência Teórica
Usa dos mesmos recursos que a filosofia, ou seja, deriva suas
estruturas e noções puramente através do racionalismo. Pode
ser desenvolvida totalmente à parte de verificações e refutações
empíricas, mas somente através de ocasionais comprovações é que
pode passar a ter um caráter mais pragmático e uma aceitação
mais universal (e portanto um pouco mais distante do que prega a
filosofia pura). Einstein é um bom exemplo, e veja que ninguém
estaria hoje em dia sabendo quem é esse sujeito caso suas
derivações teóricas não tivessem sido tão confirmadas em
estrelas e em aceleradores de partículas.

Filosofia
Deriva suas noções do racionalismo, embora possa ocasionalmente
usar "dicas" do mundo objetivo para sugerir quais noções perseguir.
Não parece ter outro objetivo que não aquele de produzir refinamentos
teóricos (e, idealmente, contradizer com sucesso filósofos de
escolas concorrentes).

Ciência Empírica (mas não aplicada, nem engenharia)
Usa de racionalismo e derivação teórica mas preocupa-se
essencialmente com a feitura de modelos e teorias que possam
ter verificação ou refutação empírica. Desta forma, essas
ciências conseguem "aparar" as arestas, deixando de lado
teorias e modelos que *não sobrevivem* ao teste experimental.

É este último ponto que considero fundamental: as ciências
de cunho essencialmente teórico podem perseguir uma coerência
estrutural intrínseca, mas elas não conseguem facilmente aparar
as arestas, ou seja, *jogar fora* aquelas outras teorias,
igualmente plausíveis, mas que só tem sentido para a metafísica.

Um exemplo (pelo qual espero não ser muito crucificado pelos
outros leitores da lista) é a psicologia: confronte-se Freud,
Jung, Maslow, Erikson, Rogers, etc., etc. Como obter unanimidade?
Como obter coerência? Como determinar quem é melhor ou pior?
Não há critério. E a falta disso deve-se, entre outras coisas,
ao fato de que a maioria dessas doutrinas não se permite
avaliar de forma empírica e rigorosa, sendo apenas construções
teóricas.

Outro exemplo que (pelo menos até hoje) parece estar seguindo
o mesmo caminho é a teoria das cordas (strings). Há
desenvolvimentos teóricos que parecem carecer de base empírica
para sustentá-los. A isso eu chamo de "roleta russa
teórica": pode ser que essas teorias sejam adequadas, pode
ser que não. Quem proferirá o veredito definitivo? Quem irá,
no futuro, determinar se a teoria das cordas é algo promissor
ou apenas o devaneio de alguns físicos? Somente as futuras
comprovações experimentais!

>
>Veja que as hipoteses, verificadas ou não, fazem parte da ciência, e nem
>toda hipótese tida como científica é verificável (e não é só questão de
>tempo e tecnologia, mas dos fundamentos mesmos da hipótese). Creio já ter
>falado aqui da Lei da Inércia, do Newton, que é absolutamente inverificável,
>uma vez que não há um só corpo que não esteja sujeito a influências sempre
>cambiantes (não ha corpo em repouso nem em movimento retilínio), mas que é
>uma lei tida como científica e não filosófica (os fundamentos filosóficos
>ficam ocultos nas formulações científicas, mas lá estão). Assim como a
>ciência do Newton, a atual também possui fundamentos filosóficos ocultos.
>Mesmo os testes empíricos implicam em recortes filosóficos.

Tenho algumas ressalvas a fazer a seus comentários aqui. Concordo que
há hipóteses que não podem ser verificadas experimentalmente. Mas
classifico essas hipóteses como adiante do que pode ser manipulado
pelo método científico. Se aceitamos a primeira lei de Newton como
lei, o fazemos por causa do (velho) problema da indução: mais
evidências verificadoras nos dão maior garantia de que estamos
pensando corretamente. Isto não satisfaria a Popper, mas temos
que pensar que precisamos viver com o que é possível. Mais grave,
entretanto, é tudo relativo à explicação do que é a gravidade: não
temos uma teoria que "explique" a gravidade, e por isso considero
que não temos nada além de "filosofias" sobre a gravidade.

Observe que, impressionantemente, temos como predizer com precisão
tudo o que decorre da gravidade, e isto é aceito como lei
praticamente incontestável. Ninguém em sã consciência duvida de
que uma maçã irá cair no chão quando largada.

Mas imagine que um dia um cientista descubra (provavelmente
acidentalmente, como no caso dos Raios-X) algo que *foge* de nossa
interpretação atual (ou seja, predizemos uma coisa e a experiência
nos mostra algo diferente, como uma maçã subir em vez de cair
no chão).

Longe de ser um problema, esse bendito dia irá nos mostrar uma
situação na qual a gravidade *desobedece* nossas predições! Aqui
está novamente a questão que coloco: não há desenvolvimento teórico
sobre a gravidade que vá fazer a diferença que uma única
experiência falsificadora fará. A partir dessa experiência teremos
como conjecturar efetivamente novas idéias para reformular nossa
idéia de gravidade (provavelmente unindo isso com as outras
forças, as nucleares e eletromagnéticas).

>
>Vejamos, dito por outros: "É óbvio hoje em dia que as afirmações científicas
>a respeito do universo adquirem sua validade através de sua efetividade de
>aplicação no âmbito em que pretendem ser válidas. No entanto, qualquer
>observação, mesmo a que permite reconhecer a validade de uma afirmação
>científica, implica em uma epistemologia, um corpo de noções conceituais
>explícitas ou implícitas que determina a perspectiva da observação e,
>portanto, o que se pode e o que não se pode observar, o que é e o que não é
>avaliado pela experiência, o que é e o que não é explicável mediante um
>conjunto determinado de conceitos teóricos". Isso pensam o Maturana e o
>Varela, biólogos, e está dito na página 111 do "De Máquinas e Seres Vivos",
>3a Edição, Artes Médicas.

Não tenho nenhum problema com o conceito exposto dessa forma. Tenho
certeza de que a condição perceptual dos cientistas influencia
sobremaneira todos os possíveis resultados conceituais que serão
criados. Mas isso, na verdade, pode ser tomado para *suportar* meu
argumento.

Quando fazemos ciência teórica (ou filosofia pura) temos *apenas*
nossas condições perceptuais e conceituais (aquelas que são
erroneamente vistas como "a priori", mas são na verdade resultado
de nosso desenvolvimento cognitivo desde nossa infância) a governar
aquilo que criamos. A filosofia e a ciência teórica estão, dessa
forma, muito mais à mercê de desvios ou impropriedades conceituais
e perceptuais do que a ciência que eu chamo de "empírica".

E por que isso?
Porque nas formas teóricas, eu tenho apenas o meu raciocínio para
verificar a validade ou não do que penso. Mas esse raciocínio,
como diz Maturana e Varela, é resultante da minha epistemologia
atual de que disponho. Já nas formas empíricas, eu tenho um "juiz"
poderoso e bastante imparcial a julgar tudo aquilo que eu
invento: é a natureza, o universo!

Se invento um conceito novo ou se minha percepção me faz pensar em
algo que não tem correspondente objetivo, então, por força da não
praticidade desse conceito, ele será substituído (mais cedo ou
mais tarde) por um outro que disponha dessa garantia de objetividade
(ou então por um que disponha de melhor poder preditivo).

Essa substituição poderá ser feita pelo próprio pensador, quando
nobremente abandonar seus achados, ou, mais frequentemente, *por
seus descendentes* que não tolerarão ser doutrinados com coisas que
não parecem estar refletidas na realidade (daí a extrema importância
de cultivarmos o pensamento crítico na educação de nossos filhos).

>
>Do mesmo modo, a filosofia voltada de costas para a ciência, isto é, que
>apenas produzisse formulações internamente lógicas, recairia no que você
>propriamente chama de misticismo ou 'wishful thinking'. Não sendo ciência e
>filosofia uma mesma coisa, não são também como água e azeite, isto é; coisas
>de natureza intrinsicamente diversa.
>
>Mas o importante é que o que o Rogério sugeriu discutir foi a linguagem,
>isto é, um assunto determinado, e, em meu pensamento, tanto a visão
>"científica" quanto a visão "filosófica" da matéria devem ser capazes de dar
>conta das questões oriundas uma da outra, isto é; não é "aqui o que a
>filosofia pensa", e depois "agora a verdade científica", mas um prestar
>contas mútuo, no qual se demonstre onde a filosofia eventualmente contraria
>os fatos e onde os pontos de vista científicos são, em realidade opções
>filosóficas dissimuladas.
>

Gostei muito desse seu pensamento, acho que tocou em um ponto importante,
ainda mais em relação à linguagem. Há atualmente um grande número de
"teorias linguísticas" que se fecharam em seus aposentos e não se
oferecem para interagir com o restante das ciências. Não vejo futuro
nas teorias de origem e evolução da linguagem que não se
preocuparem em se conectar à biologia evolucionista, à ciência da
computação, à paleoantropologia e muitas outras disciplinas. Aquilo
que está mais difundido hoje, as doutrinas Chomskianas, são exemplos
do que categorizo como "filosofia/ciência teórica", na pior acepção
desses termos. Os chomskianos evitam a todo custo relacionar suas
idéias com a psicologia evolucionista e os poucos que fazem algo
(como Pinker, por exemplo) tem a intenção de preservar os dogmas que
Chomsky propôs há décadas atrás.

Veja que aquilo que Chomsky propõe tem "cheiro" de filosofia/ciência
teórica, na medida em que postula aquela idéia de que temos
"órgãos de linguagem" geneticamente determinados sem nenhum
embasamento empírico a suportá-lo. Entretanto, há hoje um
bom número de evidências e hipóteses que vão *contra* esse dogma.
E mais: essas evidências contra Chomsky vem de vários "fronts",
incluindo ciência da computação, biologia evolucionista,
neurociência, etc. Não me parece que haverá evolução das teorias
chomskianas caso eles não aceitem rever alguns de seus "axiomas".

Um abraço,
Sergio Navega.


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