Capítulo 1

Trechos do Livro
Pensamento Crítico e Argumentação Sólida

@ Copyright 2002 Sergio Navega

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Por Que Precisamos Argumentar?

Há muito tempo os filósofos discutem por que precisamos argumentar. É interessante notar que durante esse tempo todo eles podem justamente estar argumentando uns com os outros sobre porque razão argumentamos. Podemos perceber aqui uma primeira pista da real necessidade de enfrentarmos uns aos outros linguisticamente: precisamos colocar nossas idéias à prova. Mas essa não parece ser a única finalidade da argumentação.

Argumentar Para Persuadir

Vários teóricos da argumentação propõe que a finalidade fundamental da argumentação é simplesmente persuadir. É indiscutível que várias vezes argumentamos para convencer alguém de alguma coisa e muito do que mencionaremos nos demais capítulos serve para esse explícito propósito. Nessa interpretação, argumentar seria uma forma de vencer um oponente, principalmente durante um debate público, onde muito pode estar em jogo (reputação, posição social, hierarquia, auto-estima, emprego, culpabilidade ou inocência de um réu, etc.).

Outra maneira de encarar a persuasão é como uma forma de abrandar a natural resistência que as pessoas têm em ver desafiadas as suas idéias. A persuasão procura facilitar esse desafio, aplacando a tendência da outra pessoa de se agarrar com toda força a suas crenças, mesmo que irracionais. É uma habilidade que os bons debatedores sabem muito bem utilizar. Entretanto, a persuasão, por melhor que seja, não pode ser vista como uma "garantia de sucesso". Podemos, no máximo, dizer que a persuasão aumenta as chances de que nossas idéias sejam ouvidas e aceitas. Apesar de diversos teóricos considerarem este como o aspecto mais importante, gostaria de insistir com a pergunta: é só para isso que serve a argumentação?

Argumentar Para Crescer o Conhecimento

Embora persuasão seja certamente importante, neste livro vamos falar muito de um enfoque diferente, aquele que diz que também usamos argumentação para fazer as idéias interagirem, colocando-as em contato e, frequentemente, em conflito. Desse conflito frequentemente surge a convergência para um ponto superior, mais refinado, melhor. Vamos defender a proposta de que a argumentação é uma tática que serve para crescer com o conhecimento de todos, não importando muito quem "ganha" ou quem "perde" o debate. Este é um jeito de abordar a argumentação como forma de enfatizar a competição de idéias, e não das pessoas que estão por trás delas.

Para alguns, esse processo de "colocar as idéias à prova" pode ser um martírio. Afinal, não é muito fácil aceitar que devamos expor nossos pensamentos justamente para que sejam contraditos ou criticados pelos outros. Contudo, esse é um processo que efetivamente conduz rapidamente a um vantajoso aprendizado, frequentemente por ambas as partes. Veremos no decorrer deste capítulo algumas razões que justificam esse processo. Note, porém, que é necessário usar uma certa estratégia para que isso dê certo. Afinal, é preciso que haja um mínimo código de conduta e um adequado respeito e compreensão emocional entre as partes, de forma a propiciar um debate proveitoso para todos. No último capítulo retornaremos a este importante tema. Assim, o objetivo principal que quero focar não é o de "vencer" -- como propõe os que desejam a argumentação retórica -- mas sim "conhecer".

Estou propondo, portanto, que uma das importantes finalidades da argumentação é chegar mais perto de pontos de vista razoáveis -- da "verdade" como diriam os filósofos -- , através da troca de exposições e críticas mútuas. Afinal, partimos do princípio de que ninguém é o "dono da verdade", todos os pensamentos devem ser submetidos a uma análise crítica e muitas vezes, ao fazermos isso, conseguimos uma melhoria dramática de nosso entendimento do problema. Vamos ver que uma das formas de executar essa "prova" dos pensamentos é através de "jogos", onde cada jogador submete um argumento ao outro e este devolve um questionamento ou um outro argumento. Há propostas interessantes que sugerem ser esta tática adequada até mesmo em escolas, durante as aulas.

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Um Exemplo Prático

Imagine que você nunca tenha visto um motor de automóvel na sua vida. Acabou de chegar de uma viagem no tempo vindo da Idade Média. Sua realidade são as carroças puxadas por cavalos. Não faz a menor idéia para que aquela coisa serve. Parece ser um amontoado de metal e fios e correias interconectadas. Alguém poderia instalar o motor em uma bancada e ligá-lo na sua frente. Você observaria com incrível espanto aquela ruidosa máquina espocando e soltando fumaça, com algumas partes se movendo, girando, em febril atividade. Depois de controlar seu natural receio frente a tamanha algazarra, você começaria a se perguntar para que serviria.

Seu primeiro impulso, após solicitar que fosse desligado, seria observá-lo externamente de todos os lados. Olha daqui, olha dali. E depois, que fazer? Ora, pergunte a qualquer criança frente a um novo brinquedo: vamos desmontá-lo! Você retiraria as velas de ignição -- ainda não saberia que esse é o nome que damos àquilo -- o carburador (ou injeção eletrônica), soltaria a correia do alternador, depois desaparafusaria o cárter, retiraria os pistões, as bielas, o virabrequim e muitas outras partes. Iria se lambuzar inteiro de óleo e graxa, mas isso é uma inconveniência menor, perto do prazer de explorar aquela geringonça extraordinária.

Pela proximidade, você tentaria verificar de que forma o pistão opera com a biela. Remontaria um conjunto e verificaria que o pistão parece ter sido criado para ficar se movendo na vertical naquele compartimento (a câmara de combustão). Montaria a outra extremidade da biela no virabrequim, como estava, ou seja, antes de iniciar a análise, e assim verificaria que o movimento de vai e vem da biela é "traduzido" em um movimento de rotação do virabrequim. Que engenhoso!

Isto sugeriria uma primeira propriedade emergente do conjunto pistão/biela/virabrequim: um movimento de rotação. Daqui você concluiria, por analogia, que os outros pistões e bielas também poderiam ter essa função. Todos parecem estar "conspirando" para fazer o virabrequim girar. Mas o que provoca o movimento do pistão? Quem empurra ele? Esta pergunta só aparece em nossas mentes após termos identificado uma função para a qual ainda não temos explicação. Só podemos fazer essa pergunta após perceber que há uma atividade emergente que aparece da operação conjunta do pistão/biela/virabrequim.

Isto nos propõe novas frentes de investigação, ou seja, novas sequências de análise/síntese que nos levará, provavelmente, a descobrir a explosão do combustível na câmara de combustão e a consequente necessidade de precisarmos misturar o combustível com o ar -- daí o carburador -- e assim por diante.

Já podemos perceber que nenhum desses processos -- análise e síntese -- pode ser utilizado de forma isolada. Esses processos precisam ser executados alternadamente, pois é desta alternância que ganhamos novas dimensões na compreensão daquilo que estamos observando. Este processo acaba ocorrendo espontaneamente, principalmente quando estamos estudando e aprendendo algo novo por experiência própria. Mas há quem pense diferente, insistindo que não se deve perguntar e sim proceder à mera memorização de fatos e fórmulas. Também percebemos que muito do que iremos aprender desse sistema vem através das perguntas que formulamos, a cada nível de análise/síntese que atravessamos. Isto requer necessariamente uma curiosidade bastante ativa.

Essa situação de exploração, que é natural principalmente em crianças, tem utilidade além do que ocorre dentro da cabeça de um indivíduo que estuda algo. Parece que esta tática também pode ser praticada por um grupo de no mínimo dois indivíduos em troca constante de frases e sentenças.

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